Adulta






O apartamento é como costumam dizer por aí: “apertamento”. Se eu colocar a geladeira na cozinha eu não consigo colocar o fogão. Então a geladeira vai ficar - como nas casas de antigamente - na sala. E daí? Dizem que é legal crescer e virar adulta enquanto tem um monte de gente duvidando da sua capacidade. Jeito cruel de se viver.

O quarto é minúsculo e o banheiro é frio. E o chuveiro não tem água quente. Tá queimado. Tem que trocar. Quem sabe uma sequência de banhos gelados possa curar toda a ressaca que a vida me proporcionou até então? Tudo é válido quando o silêncio ensurdecedor bate à sua porta toda noite.

Enquanto isso eu durmo em posição fetal. Como que numa desesperada vontade de voltar ao ventre da minha mãe e começar tudo de novo. Em que momento eu errei? Tem como mudar? Aí eu cubro a minha cara com o lençol porque a luz do quarto me incomoda.

Eu não apago a luz. Se eu apagar a luz do quarto é como se nada mais se iluminasse. Estou no meu escuro existencial. A luz do quarto me dá a segurança que eu preciso naquele momento. Vai ficar acesa até eu dormir.

A televisão é ruim. Quanto tempo eu vou ter que ficar vendo programas de televisão cheios de “fantasmas” nas imagens? Eu já tenho “fantasmas” suficientes que me atormentam desde a infância. Então eu vou para a sala e levo o edredom, o travesseiro e o livro que eu cismei de ler e que não tem nada a ver com a minha vida de agora. E por vezes, eu invejo a personagem do livro.

Eu odeio essas coisas de “você vai dar a volta por cima”, “depois da tempestade vem a bonança”, “você vai sair dessa”. Estou procurando “o dia depois da tempestade faz tempo”. Procuro também o “pote de ouro no fim do arco-íris”. Não existe. Vai crescer. Vai virar adulta. Ver todo mundo te virar as costas. Ver sua caixa de email vazia. E o seu telefone sem tocar.

Para virar adulta você tem que se alistar ao exército e ir para a guerra. E não se esqueça de voltar viva. Mas não se preocupe, se você não conseguir, vai ter medalha de honra ao mérito e muita gente vai dizer, quando não for mais preciso, o quanto você era “especial”, “cheia de vida” e “inteligente”.

Para virar adulta tem que ter decepção. Choro. Banho gelado. E diversas olhadas no espelho do banheiro para “treinar” sua cara de felicidade e autossuficiência do dia seguinte.

Para virar adulta você tem que fechar a porta do apartamento várias vezes. Olhar na janela para ver se tem alguém esquisito na rua. Fazer chocolate quente e não dividi-lo com ninguém.

Para virar adulta você tem que ser cúmplice do seu medo e finalmente apagar a luz do quarto.
4 Responses
  1. Ives Says:

    Grandes momentos acontecem em várias direções, e muito do que aprendemos cria asas além do agora! abração


  2. Juro que não vou dizer que "você vai dar a volta por cima" e nem que "depois da tempestade vem a bonança". Juro.
    Bjux


  3. Janaína Peres Says:

    Eu gosto mto do teu blog. A sensação de nunca saber se os textos são a sua realidade ou não me prende rsrsrs mas fico na ideia de fingir dor ou não... quem sabe e talvez...
    Um abs


  4. Muito bom!! Gostei mesmo, a forma como traduziu tudo isso ficou ótima!

    []ss