Tudo fora




Ninguém me conhece. Ninguém sabe realmente o que eu sinto. Acham que sabem, mas não. Essa gente que se diz solidária não enxerga um palmo a sua frente. Não enxergam. Não sentem. Não percebem nem se alguém esfregasse um punhado de sentimento no nariz.

Cansada dessa gente que diz que tudo passa. Que temos que nos reerguer. Não é fácil se reerguer quando se tem o peso do mundo nas suas costas. O peso do mundo inteiro. O peso do mundo inteiro e o peso de gente chata, opressora e hipócrita junto.

Eu quero vomitar tudo. Colocar tudo pra fora. Tudo fora. Toda essa gente fora. Toda essa gente que acha que sabe o que está dizendo. Cansada dessas frases feitas, vazias e iguais, que saem da boca de gente vazia e igual.

Eu não quero ser igual. Eu não preciso ser igual. Eu nunca fui igual. Eu não quero fazer parte da corrente inexpressiva de gente inexpressiva.

Cansada dessa gente que te promete todos os amores do mundo. Mas não te enxerga. Não te entende. Não te sente. Não vê que você está implorando uma atenção. Um olho no olho. Merda de amores prometidos. E confusos. E passageiros. E que te deixa vazia. E igual.

Eu quero tudo fora. Tudo fora. Todos esses amores iguais. Indiferentes. E autossuficientes. E autoconfiantes. E igualmente vazios e iguais.

Cansada desses amores que te exigem uma confiança. Quando na verdade o amor é inseguro. E não me venham com essas frases feitas sobre amor. Não há amor verdadeiro sem o ridículo. Não há amor verdadeiro sem se mostrar. Não há amor verdadeiro sem dizer que ama 50 milhões de vezes por dia. E que se dane ser piegas. Que se dane. E que se dane, mais uma vez. O amor não é igual. O amor é o diferente da vida.

Eu quero tudo fora. Todos esses amores controlados. E milimetricamente demonstrados. Eu quero fora esse vazio de coisas não ditas. Eu quero tudo fora. Tudo fora. Eu quero fora a dúvida. Eu quero fora a espera. Eu quero fora. Tudo fora.















Pedestal







Eu tenho um turbilhão de sentimentos presos dentro de mim que eu não entrego para ninguém. Ninguém jamais conseguiu tirar todos os fantasmas que existem dentro de mim. O lance de subir num pedestal e orquestrar toda uma vida com o ar de ser superior ao amor alheio. O lance de ser superior. O lance de não doar nenhum milímetro de amor que existe dentro de mim e no alto do meu pedestal: Não fui. Não dei. Não entreguei.

Eu fui um mendigo ao contrário. Eu vaguei pelo mundo eu não pedi. Eu não pedi amor de ninguém. Eu não implorei. Eu não quis ser ajudada. Eu não quis sentir o que o resto do mundo ao meu redor sentia: aqueles lances de amor. Eu não quis o amor de ninguém, simplesmente porque eu não acreditava no amor de ninguém. O lance do pedestal, da superioridade, da indiferença. Eu me protegi. Eu não quis.

Dia após dia vários amores alheios surgiram e imploraram o amor que ficava em cima do pedestal. Não dei. Não pedi. Eu não quis. Não acreditava em pessoas gentis. Em príncipes encantados – e continuo não acreditando.

Mas algo mudou. O salto quebrou. Os olhos se voltaram para baixo e o pedestal ficou tão alto e tão vazio. O lance de estar no alto e não ser atingida não tinha mais propósito. O querer ser atingida. Ficar na mira. Descer. Pedir. Implorar. Sentir tudo o que se teve medo de sentir a vida toda. Eu desci do pedestal e entreguei tudo o de melhor e de pior para alguém que nunca pediu nada para mim.

Aí eu tento empurrar as minhas “ofertas”: “Me leve, me ame, me olhe. E me ame por tudo o que for mais sagrado. Tá ‘barato’. Amor igual a esse você não vai encontrar em nenhum outro lugar. Esse amor caiu bem em você. Leve, leve, leve, leve, me leve, me suporte, me entenda, me ame, não me devolva para o pedestal”.

E no meio de tudo e de todos, por mais egoísta que isso possa parecer, entreguei o meu amor a quem eu quis. Não a quem me pediu. A quem me implorou. E sigo fazendo ofertas diárias desse amor por puro medo de voltar à minha “superioridade amorosa” de milhões de metros quadrados vazios.