Metrô





Naquele dia, sentada na cadeira de espera do metrô, aquela senhora veio, segurou a minha mão e disse que você viria. Eu não sabia quem era você. Você não existia, não respirava. Não te sonhava. Nem te esperava. Só uma louca romântica acreditaria que um estranho enviado de outro planeta iria pousar perto e nunca mais querer ir embora. Eu tive medo de imaginar que você poderia ser real. O amor não existia, e nem poderia ser sonhado em uma tarde à espera do metrô.

Meus pés estavam fincados no chão. Dali não sairia. Dali ninguém me tiraria. Todas essas histórias de amor ridículas, contadas por filmes ridículos de autores ridículos não existiam. Tudo mentira. Balela. Ninguém sairia de nenhum lugar do mundo e viria me salvar daquele mundo em preto e branco a troco de nada, nem de todo amor que eu pudesse doar.

Então voltei a ler o meu livro cheio de teorias em “como escrever um artigo”. Artigos sobre histórias reais, de passados distantes, no qual não havia espaço para frases melosas e românticas e idiotas. Todas as palavras grifadas daquele livro não consistiam em saudades, estar junto ou o amor da vida. Amor da vida não existia. Teorias sim. Realidade também. Não se podia sonhar por um amor à espera do metrô.

Talvez não devêssemos mesmo sonhar por um amor que vá largar tudo para te ver. Que faça você se sentir a única. A mais bonita. A mais inteligente. Aquela que vale a pena abraçar por uns segundos. Sem sonho, sem apego. Sem sofrimento.

Sem sofrimento, mas também sem saber como seria depois de tantas esperas e datas adiadas olhar nos olhos desse tal amor que veio de outro planeta para te salvar.

Sem apego, mas também sem sentir a respiração ofegante daquele que largou tudo para te dar amor. E fazer você se apegar, e se entrelaçar, e desesperadamente não acreditar que ele realmente existia.

Sem sonho, mas também sem sentir o coração aquecido. Mesmo que ele congele depois. Mas passar a vida sem saber que esperar o metrô e sonhar com o amor da vida é tão mais lindo do que só enxergar duas cores ao seu redor...

Eu me permiti sair do preto e branco e enxergar o colorido de dentro do fundo dos teus olhos. Eu me apeguei naquela música daquele filme romântico idiota que de tão idiota me fez suspirar. Eu suspirei e eu gostei de suspirar e sonhar. Eu não senti medo de estar daqui a um mês ou cinco anos sem você. Eu não senti medo de sofrer. Eu só queria viver aqueles dias. Eu só queria te guardar por toda vida. Até em outras vidas se fosse possível.

Já marquei encontros com você daqui a vários séculos. Já fiz pactos com os deuses do amor para que nada nessa vida te leve para longe de mim. Já fiz planos pra daqui a dez anos. Planejei nossas férias para algum lugar que tenha a nossa praia e o nosso pôr do sol, mais ou menos daqui a uns vinte anos...

Fiz todos esses pactos, planos e delírios em uma tarde, à espera do metrô. Dias depois de você ter vindo e me tirado do preto e do branco. 

Você me salvou...











Calma




Um dia isso tudo vai ser acalmar. Não costumo prever o futuro, mas sei exatamente o que irá acontecer: Vamos nos falar todos os dias, e dizer que nos importamos sempre. Quando eu sentir saudades – no meio do meu dia atribulado – olharei para dentro de mim, acredite, você está aqui, como ninguém nunca antes esteve. Irei frequentar os lugares comuns, tomar três chopes e brindar em sua homenagem. Eu brindo daqui. Você daí.

Qualquer dia brindaremos juntos. Vamos rir daquelas bobeiras que insistem em apertar nossos corações e que nos fazem perceber o quanto somos importantes um para o outro. Eu vou te contar todos os meus segredos, olhar nos seus olhos e me sentir segura. Vamos entrelaçar nossas almas mais uma vez, cada vez mais. Vamos cumprir o que já estava traçado antes mesmo de nós dois respirarmos. Fomos/Somos feitos um para outro.

Um dia isso tudo vai se acalmar. Tudo vai pegar fogo. Vai ter o dia a dia. O café, o almoço e o jantar. Vai ter o silêncio, mas saberemos que o outro estará ali, a poucos metros de distância. Ao alcance da alma. 

Terá calma. Alívio.

Dúvidas





Talvez eu não seja tudo o que você queria. Talvez. Eu gosto disso. Não gosto de certezas entre nós. Eu preciso e quero te prender comigo pela minha capacidade de te causar dúvidas.

Certeza do meu amor, só entre nós. A dois. Em um.

Você sempre diz que precisa de mim. E que nós fomos feitos um para o outro. Que somos almas gêmeas. Que o destino e as coincidências nos uniram.

Mas entre nós nunca haverá certezas. Porque o nosso amor é movido pela nossa curiosidade um no outro: O que eu faço. Com quem você anda. Pelo que nós suspiramos?

O motor do nosso amor é a nossa individualidade, que de tão individual termina nas longas conversas movidas a informações e cumplicidades que não compartilhamos com ninguém. É natural: eu termino o meu dia em você. Meus medos. Meus sonhos. Minhas frustrações. Meus desejos.


Nem toda a certeza do mundo me faz acreditar que tudo isso é para sempre. Mas todas as dúvidas me dão a dimensão do quanto tudo isso será eterno. 

Desconhecido







No fundo sempre sonhamos em encontrar alguém que supere toda a nossa existência. Alguém que vai nos fazer perder noites frias de sono e vai nos acompanhar, mesmo que em pensamento, em dias quentes de verão, em frente ao mar ou em frente ao ponto de ônibus.

Lá fora existe alguém que não conhecemos ainda. Um desconhecido que gosta das mesmas músicas que a gente, lê os mesmos livros e tem o senso de humor que combina com as nossas gargalhadas. Não necessariamente nessa ordem.

No fundo, no fundo... sempre queremos alguém para ligar no final do dia. Alguém para dizer “vem para mim”. Por trás de toda essa modernidade vazia de casais instantâneos, o que queremos mesmo é dividir o controle remoto e ser o “friozinho no estômago” de alguém.




Mistura





Eu não costumo dizer a frase batida de “quem se define se limita”. Eu me defino sem me limitar porque sou uma mistura de um eterno querer. E eu quero tantas coisas que não cabem em mim, mas que sempre encontro espaço para guardá-las dentro dos meus sonhos.

Sou tudo o que vivi e que ainda irei viver.

  
Eu sou aquele telefonema inesperado. Sou a risada dentro do mercado porque não consegui achar a sessão de detergentes. Sou o dormir até mais tarde. Sou o silêncio e falação fora do comum. Sou meus livros na estante. Sou o tênis colorido e o óculos escuro que não sai do meu rosto. Sou os choros noturnos. Os filmes de comédia romântica que estragam a minha vida, mas que não consigo deixar de ver. Sou a guitarra que grita nos meus ouvidos. E as músicas românticas que me dão a dimensão do quanto sou uma "boba".


Sou os shows de Rock que me arrasam – nos pés e nos bolsos – mas que me dão a sessão de liberdade que sempre desejei. Sou conversas na calçada. Sou um dia de sol. Sou praia. Sou minhas corridas matinais. Sou meus jeans rasgados. Sou meus fones de ouvidos. Sou um sorriso inesperado. Sou minhas piadas sem graça. Sou a minha insistência no ser humano. Sou mãe. Sou mulher. Sou romance. Sou amor. Sou paixão. Sou temperamento forte. Sou do contra. Sou trabalhar por amor. Sou a professora. Sou a tia. Sou meus textos. Sou desabafo. Sou saudade. Sou Botafoguense. Sou sonhadora. Sou míope. Sou insônia. Sou louca, maluca beleza. Sou a mistura do que é certo e do que é errado. Sou amiga dos meus amigos. Sou coração. Eu sou o que escrevo. Sou o que eu digo. 

"Eu nasci para ser feliz. Não para ser normal".

Sonho





Essa noite sonhei com você. Foi estranho, porque desde o dia em que você se foi eu nunca mais sonhei com você. Eu lembro que meses antes de você ir, eu sonhei com você uma semana inteira. Todas as noites. Diversos sonhos.

Na verdade parei de sonhar com você porque pedia sempre para não sonhar com você. Bloqueei você da minha mente desde o dia em que você se foi e eu não estava lá para dizer “então até um dia”.

Saber que parte da minha vida se encerrava ali era dolorido demais para acreditar que aquele nosso cotidiano está guardado comigo e eu  não vou mais poder me aconchegar no seu colo e relembrar os “melhores momentos de nossas vidas”.

As pessoas que te conheceram mais nova, me acham parecida com você. O olhar, o jeito, a aparência física. E às vezes eu fecho os olhos para fixar a sua imagem na minha memória e fotografa-la para nunca mais esquecer que você se parece comigo e eu pareço com você.

Nem sei onde quero chegar com esse texto. Na verdade eu sei. Eu não quero chegar. Quero voltar. Quero voltar para os primórdios da minha infância e te ver novamente, mais uma vez, fazendo o meu café da tarde e, após isso, dizer para todo mundo que “eu não almocei direito, mas o meu lanche da tarde me reforça”. Ou ver você me defendendo de alguma peraltice e do qual “eu nunca tinha culpa de nada”.

Talvez você apareceu no meu sonho para dizer “que nem tudo está perdido” ou que “viva e deixe viver”. Eu sei por que você apareceu. E eu sei que não estou sozinha nessa vida.





Alma







Chuva, café e um clima frio no primeiro dia do mês de março. O pensamento vai longe. Conto os pingos que caem e se amontoam na janela do quarto. Nenhum desses pingos é igual, penso eu com os meus botões. Ser igual para que mesmo?


As grades da janela transmitem a estranha sensação de aprisionamento. Mas nem as grades, nem a sensação estranha e nem a tarde chuvosa e fria conseguem conter os pensamentos que, livres por natureza, correm de encontro ao que me faz bem.

Os dias têm sido intermináveis e rotineiros. Os afazeres e os compromissos me consomem. Os problemas diários também. Não tem para onde correr. Tem que ficar e resolver. Mas ai de mim ou de nós, meros mortais, se não existissem as lembranças e a capacidade de nos transportar aos momentos que nos preenchem e que, em dias chuvosos e frios como os de hoje, nos fazem carinhos na alma.

A sensação de bem estar vem com um dia de sol. Uma simples espera por um café na padaria. Mas não é qualquer café. Tem o café, os carros passando, e a moça que passa com o filho logo cedo, e aquele senhor que não tem dias cheios, mas que, mesmo assim, passa apressadamente para algo ou para alguém. Peço um suco, e fico admirando as pessoas que vem e vão. E de repente, meu café da manhã se transforma em risos e sorrisos. E o vazio preenchido.

Eu gosto de tomar o tal café na padaria. E gosto de andar pela rua como se ela fosse somente nossa. Gosto de almoçar no mesmo lugar e dizer que eu não sei cozinhar aquela comida. Gosto de ouvir você falando e fazendo planos. E eu me dou conta de que eu quero ouvir você falando e fazendo planos, em todos os almoços em que eu puder te ver comendo e falando ao telefone ao mesmo tempo.

Eu quero o café. O almoço. E a tarde de sol na praia. Eu quero mãos dadas. Eu quero te olhar e pensar que você é uma criança grande e descobrir que, apesar de tanta escuridão e confusão que teimam em nublar os meus dias, você ainda é aquele dia de sol que me acompanha e aquece a alma.


Meio fio




Equilibrando para não cair. Juntando os pedacinhos. Com calma e serenidade. Mantendo o equilíbrio porque nesse mundo de gente "coerente" e "cheia de si", a necessidade de parecer uma lady - quando tudo está desmoronando- é essencial .

Mantenha a calma, não desça do salto e seja dissimulada ao ponto de não mostrar a ninguém suas fraquezas de mulher autossuficiente e independente. Ora bolas! Você já passou dos trinta precisa demonstrar o mínimo de maturidade em diversas situações. Dê exemplos.

Que se dane.

Eu só quero o meu cantinho no lado direito da cama. E quero ouvir as minhas músicas em um loop eterno até adormecer e esquecer que o dia foi cheio demais para sonhar. Eu queria um lugar nesse mundo em que eu não ouvisse a frase de “você se expõe demais”. Quem diz que eu me exponho demais nem imagina que eu tenho o meu lado predileto no sofá e desligo todos os telefones. Tento me esconder quando esse mundo resolve triturar o meu coração.


Eu quero alguém para dizer “que tudo bem você ser assim engraçada num dia e mal-humorada no outro”. E “que tudo bem que você não teve tempo de ser a mulher mais admirável do mundo”.


E que tudo bem, apenas.

Adulta






O apartamento é como costumam dizer por aí: “apertamento”. Se eu colocar a geladeira na cozinha eu não consigo colocar o fogão. Então a geladeira vai ficar - como nas casas de antigamente - na sala. E daí? Dizem que é legal crescer e virar adulta enquanto tem um monte de gente duvidando da sua capacidade. Jeito cruel de se viver.

O quarto é minúsculo e o banheiro é frio. E o chuveiro não tem água quente. Tá queimado. Tem que trocar. Quem sabe uma sequência de banhos gelados possa curar toda a ressaca que a vida me proporcionou até então? Tudo é válido quando o silêncio ensurdecedor bate à sua porta toda noite.

Enquanto isso eu durmo em posição fetal. Como que numa desesperada vontade de voltar ao ventre da minha mãe e começar tudo de novo. Em que momento eu errei? Tem como mudar? Aí eu cubro a minha cara com o lençol porque a luz do quarto me incomoda.

Eu não apago a luz. Se eu apagar a luz do quarto é como se nada mais se iluminasse. Estou no meu escuro existencial. A luz do quarto me dá a segurança que eu preciso naquele momento. Vai ficar acesa até eu dormir.

A televisão é ruim. Quanto tempo eu vou ter que ficar vendo programas de televisão cheios de “fantasmas” nas imagens? Eu já tenho “fantasmas” suficientes que me atormentam desde a infância. Então eu vou para a sala e levo o edredom, o travesseiro e o livro que eu cismei de ler e que não tem nada a ver com a minha vida de agora. E por vezes, eu invejo a personagem do livro.

Eu odeio essas coisas de “você vai dar a volta por cima”, “depois da tempestade vem a bonança”, “você vai sair dessa”. Estou procurando “o dia depois da tempestade faz tempo”. Procuro também o “pote de ouro no fim do arco-íris”. Não existe. Vai crescer. Vai virar adulta. Ver todo mundo te virar as costas. Ver sua caixa de email vazia. E o seu telefone sem tocar.

Para virar adulta você tem que se alistar ao exército e ir para a guerra. E não se esqueça de voltar viva. Mas não se preocupe, se você não conseguir, vai ter medalha de honra ao mérito e muita gente vai dizer, quando não for mais preciso, o quanto você era “especial”, “cheia de vida” e “inteligente”.

Para virar adulta tem que ter decepção. Choro. Banho gelado. E diversas olhadas no espelho do banheiro para “treinar” sua cara de felicidade e autossuficiência do dia seguinte.

Para virar adulta você tem que fechar a porta do apartamento várias vezes. Olhar na janela para ver se tem alguém esquisito na rua. Fazer chocolate quente e não dividi-lo com ninguém.

Para virar adulta você tem que ser cúmplice do seu medo e finalmente apagar a luz do quarto.