Alma
Chuva, café e um clima frio no primeiro dia do mês
de março. O pensamento vai longe. Conto os pingos que caem e se amontoam na
janela do quarto. Nenhum desses pingos é igual, penso eu com os meus botões. Ser
igual para que mesmo?
As grades da janela transmitem a estranha sensação
de aprisionamento. Mas nem as grades, nem a sensação estranha e nem a tarde
chuvosa e fria conseguem conter os pensamentos que, livres por natureza, correm
de encontro ao que me faz bem.
Os dias têm sido intermináveis e rotineiros. Os
afazeres e os compromissos me consomem. Os problemas diários também. Não tem
para onde correr. Tem que ficar e resolver. Mas ai de mim ou de nós, meros
mortais, se não existissem as lembranças e a capacidade de nos transportar aos
momentos que nos preenchem e que, em dias chuvosos e frios como os de hoje, nos
fazem carinhos na alma.
A sensação de bem estar vem com um dia de sol. Uma
simples espera por um café na padaria. Mas não é qualquer café. Tem o café, os
carros passando, e a moça que passa com o filho logo cedo, e aquele senhor que
não tem dias cheios, mas que, mesmo assim, passa apressadamente para algo ou para
alguém. Peço um suco, e fico admirando as pessoas que vem e vão. E de repente,
meu café da manhã se transforma em risos e sorrisos. E o vazio preenchido.
Eu gosto de tomar o tal café na padaria. E gosto de
andar pela rua como se ela fosse somente nossa. Gosto de almoçar no mesmo lugar
e dizer que eu não sei cozinhar aquela comida. Gosto de ouvir você falando e
fazendo planos. E eu me dou conta de que eu quero ouvir você falando e fazendo
planos, em todos os almoços em que eu puder te ver comendo e falando ao
telefone ao mesmo tempo.
Eu quero o café. O almoço. E a tarde de sol na
praia. Eu quero mãos dadas. Eu quero te olhar e pensar que você é uma criança
grande e descobrir que, apesar de tanta escuridão e confusão que teimam em
nublar os meus dias, você ainda é aquele dia de sol que me acompanha e aquece a
alma.