Saudade






Sentir saudade é sempre pela primeira vez. Você pode ter sentido milhões de vezes em toda a sua existência, mas nunca vai ser igual. Eu senti saudade ontem. Senti anteontem. Senti há dez, vinte, trinta dias. Senti diariamente por todos esses dias. A saudade vem e bate o seu ponto como uma registradora automática.

Mas a minha saudade de hoje é primeira. É maior. Mais sufocante do que a de meses atrás. E sentir saudade vai ser sempre essa história de levar um soco na boca do estômago. E dói. E me acompanha. Machuca. Eu fujo, mas ela sempre aparece na minha frente, ou pelos lados, ou por dentro, ou por todos os poros da minha pele.

A saudade sempre aparece nas risadas altas dos meus amigos. Nas ruas lotadas de gente estranha e fechada. E no garçom que se esqueceu de trazer a conta. E no trânsito que estava insuportável. E na chuva fina de outono. E no filme dos anos 80. E naquela música. E naquela outra música. E naquela milésima música. E naqueles minutos antes de dormir. E naqueles minutos depois de acordar. E no despertador que toca. E a cara da saudade que eu arrasto infinitamente pelo meu dia atribulado e em todas as coisas chatas e estressantes que insistem em gritar e me mostrar que o que torna tudo muito, muito chato é a ausência...

E ninguém está nem aí para o que eu sinto. Ninguém. Tantos e tantos problemas que envolvem coisas muito mais sérias, e tristes, e infinitamente desgraçadas, e insuportavelmente bizarras, e justamente mais importantes e urgentes, e a camada de ozônio, a corrupção, e a crise na Europa, e as causas ambientais, os tsunamis, as decisões do STJ, e salário mínimo, as injustiças mundanas e tantos, tantos e muitos tantos outros problemas universais e urgentes e primeiros.

Mas saudade é egoísta. É inoportuna. A saudade não está nem aí se a água do planeta está acabando. Se o síndico do prédio aumentou o condomínio. Se há milhões de coisas importantes para fazer. Se há contas para pagar. A saudade ri dos meus problemas. Ela chega a qualquer lugar, a qualquer hora e está pouco se importando sobre os problemas mundiais. Ela está preocupada em me preencher do sentimento impotente que é senti-la. Ninguém liga. A saudade não liga. O mundo inteiro está girando. E a saudade está girando em torno do meu umbigo e insistentemente me faz olhar para ele. E eu olho. E eu me torno uma pessoa egoísta preocupada somente em satisfazer essa saudade egoísta que me torna a mais egoísta das egoístas do bairro, da minha cidade, da face da terra e de todos os planetas descobertos e desconhecidos.

Mas ninguém liga. Quem liga que eu ando com uma tatuagem de saudade no peito? Cheio de você. Cheio dessa vontade de matar essa saudade da maneira mais pura e inocente do mundo: apenas te olhando.

Olharia por horas. Por dias. Eu olharia até me encher de você. Infinitamente te olharia. Sem parar. Eu te gravaria. Tatuaria nos meus olhos, para nunca mais sair. Para nunca mais ir embora. Para nunca mais precisar encher meus dias vazios de milhões de coisas para suprir o abismo dentro de mim. Para nunca mais precisar escutar músicas melancólicas e para nunca mais precisar fechar os olhos pra te procurar.





Vazio







Por mais que o seu dia seja rodeado de amigos muito empenhados em te fazer sorrir, o seu sorriso não é como o de quando você está perto dele. Não é. Não será. Talvez nunca seja.

Esse eterno querer desgraçado que te acompanha. Querer. Querer. QUERER EM MAIÚSCULO. Que não acaba nunca. Nem nas noites mal dormidas, nem nos dias mal acordados. Nem nos dias mal vividos.

É um sufoco do tamanho de um universo inteiro sentir esse vazio de mil vazios. Vazio que não para. Que não preenche. Que não te deixa nem por um minuto.

O maior suicídio que você pode cometer na sua vida é colocar suas expectativas amorosas em um único ser humano, sabe? Humanos falham. Enjoam. Sentem que não há mais graça em nada que te rodeia. E eles se fecham. Calam-se. E você percebe que entregou seu coração de bandeja para ser esmagadinho com a mão esquerda. Ou direita, sei lá.

O amor é esse eterno vazio. Vazio de desencontros. Vazio de pares errados. Vazio de silêncios premeditados. Vazio de recuos estratégicos.

Nós sempre queremos o “para sempre”. Mas o “para sempre” é pesado demais. O “para sempre” é perigoso demais. O “para sempre” é irresistível...

Pois eu te falo que eu te amaria com a dor de mil anos. Milhões de anos. De milhões de “para sempre”. Exageradamente “para sempre”. Compulsivamente “para sempre”.

Nunca se é forte o suficiente para resistir. Mesmo que o “para sempre” não exista. Mesmo que essa história toda de “felizes para sempre” seja apenas demonstrações manjadas de comédias românticas. Nunca se é forte para resistir. Nunca.