O amor nos torna previsível




Previsível. Absolutamente previsível igual a todo mundo. Ou igual a ninguém. É isso. O amor nos torna previsível. Lamento informar, mas nós somos as pessoas mais patéticas do mundo quando se trata de amor. Como já dizia Cazuza “o amor é o ridículo da vida”. Ridículos, previsíveis, patéticos.

Você vai “descer do seu pedestal” e vai dar o braço a torcer de que está amando alguém loucamente. Vai rir às 05:30 da manhã na mesma intensidade que às 2 da madrugada. Vai olhar pro seu celular umas cem vezes como se a pessoa - objeto do seu desejo - fosse se transfigurar e se materializar na sua frente. Vai andar na rua na contramão de todo mundo lembrando-se do último encontro e vai olhar pro celular mais uma vez, a milésima talvez.

Vai achar o dia mais bonito. O seu trabalho mais importante. E você vai perceber que nem é tão ruim ser considerado “patético” pelos outros. O amor é patético. Porque tem que ser assim. Não existe a racionalidade “nessas coisas de amor”. Coloca na gaveta a razão. Não serve mais. Porque o que você menos vai precisar é ser racional quando sentir suas pernas tremerem e seu coração disparar quando estiver diante do seu olhar preferido. E vai haver um olhar preferido sim. Um abraço preferido. Um lugar preferido. Um toque preferido. Um jeito de beijar preferido. Um número de celular preferido. Um tom de voz preferido. Um cheiro preferido. Um amor único e preferido.

Você vai se tornar um estúpido previsível. Vai sentir ciúmes de coisas insignificantes. Mas vai entender que o ciúme é muito menor do que o medo de perder. O medo de perder é que vai te fazer ganhar algumas tantas noites sem sono. E vai lembrar que nem tudo na vida é como deveria ser, certinho. E nada é. Mas não vai desistir só por causa da dificuldade, porque o que está em jogo é viver o resto do que te resta sem o seu olhar preferido. E como se vive sem olhar todos os dias o seu olhar preferido? A gente aprende.

Aprende porque a distância existe. E a saudade é bem mais insuportável do que imaginávamos. E vamos ser ridículos porque vamos invejar outras pessoas que estão sendo olhadas pelo seu olhar preferido, estão sendo abraçadas pelo seu abraço preferido, e estão ganhando a atenção que era para ser sua. Mas o que é o amor sem uma dose certa de sofrimento? Sem a dose certa de insistência? Sem os exageros que teimamos em exagerar ainda mais?

O que é o amor sem o ridículo, sem o patético, sem o estúpido. E se não for para tirar seus pés do chão. E se não for para desejar aquele famoso “que seja infinito enquanto dure” misturado ao “e viveram felizes para sempre” não é amor.









O dia da chuva


Ela descobriu que não está segura. Que tudo pode mudar na sua vida sem dó nem piedade. E ela intimamente quer isso. Quer que tudo desmorone na sua cabeça e da dos outros. Ela não quer mais se esconder no seu mundinho encantado e rosa.

Ela descobriu que o seu mundinho encantado e rosa, não é tão encantado e rosa assim. Que o mundo grande e cruel pode ser mais seguro do que várias décadas em um casulo morno, protegido e confortável.

Descobriu que tudo tem hora para chegar. E que tudo pode chegar a qualquer hora. E ela nem teve tempo de se preparar. Mas ela já sabe que vai perder noites de sono pensando em como irá lidar com os turbilhões de sentimentos que estão por vir.

Ela descobriu que viver de verdade dá medo. Que viver de verdade dá frio na barriga. Viver de verdade a deixou vulnerável ao choro. Ao amor que não teve hora para vir e nem para ir. Aos problemas intermináveis que não cabem em qualquer gaveta. Mas ela precisa resolver um por um. Mas cadê a sensatez quando se está congelando por dentro? Quando se está estupidamente tapando os ouvidos enquanto a realidade bate a sua porta? Ela se pergunta.

Ser real dói. É confortável ser personagem de ficção. Mas ela enjoou do rosa. Deu náuseas. Apesar de seu mundo ser encantado e rosa, ela aprendeu a gostar do mundo real e colorido. Igual aquele dia de chuva que ela se encantou como se fosse um dia de sol. Ela passou a gostar da chuva. Do cinza. Do arco-íris que ela viu depois daquele banho de chuva.

Ela percebeu que agora quer todos os dias de chuva e de arco-íris depois da chuva. Ela quer a realidade que a chuva trouxe, e as trovoadas, e os pés na lama, e o cabelo embaraçado porque não deu tempo de arrumar, e o riso solto lembrando do dia da chuva.

Ela não quer mais o seu casulo confortável. E nem dias lindos de sol. E nem bailes de princesas. E nem dia certo para viver. Nem hora marcada para ver a chuva. Ela quer a realidade cinza, colorida, e do rosa misturado a todas as outras cores. Porque assim fica mais bonito. Porque assim fica mais divertido.

Porque isso é viver de verdade. Porque tomar banho de chuva nem é tão ruim assim. Porque se molhar, e se jogar, e não ter medo de nada, e se estrepar, e quebrar a cara, e sentir falta, e encarar a realidade, e sentir um medo danado de viver, é melhor do que achar que se está vivendo. E isso ela não quer mais.